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“A arte salva”: prescrever visitas a museus — o projeto suíço e como adaptá-lo ao Brasil

  • Foto do escritor: Thiago Loreto
    Thiago Loreto
  • 17 de out.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 18 de out.

Introdução


Na Suíça, a cidade de Neuchâtel lançou um projeto-piloto em que médicos prescrevem visitas a museus e jardins botânicos como complemento ao tratamento de pacientes com problemas de saúde mental e doenças crônicas. A iniciativa — 500 “receitas” iniciais com ingressos gratuitos — apoia-se em evidências científicas que relacionam envolvimento com arte a ganhos em bem-estar, redução de estresse e mobilização física leve. Se a ideia deu certo lá, como podemos pensar em adaptá-la ao contexto brasileiro — marcado por desigualdades territoriais, escassez de equipamentos culturais em muitos municípios e grandes distâncias entre centros culturais?


A seguir trago um apanhado sucinto de evidências, experiências pelo mundo e propostas práticas para testar esse modelo no Brasil.



Como o poder de salvar vidas é atribuído a arte?


Pense como seria ver o seu sentimento mais terrivelmente pesado à sua frente e, logo após, ver algo que pudesse acalmá-lo quase que instantaneamente, fazendo-o sentir um grande alívio por deixar um peso tão grande para trás? Na Suíça, médicos compreenderam a importância desse processo e como ele está diretamente ligado à saúde das pessoas. Hoje no Brasil a população em geral está sobrecarregada com a escala 6×1, gerando grande estresse. De acordo com os médicos suíços, as visitas a museus são importantes para pacientes “esquecerem momentaneamente suas preocupações, dores e doenças”.


Isso seria realmente ótimo, não? Tratar dores de cabeça, cansaço e dores musculares — entre outros — relaxando a mente em um ambiente calmo, limpo e cheio de obras de arte. A iniciativa está em funcionamento como projeto-piloto na cidade de Neuchâtel há cerca de um mês: são 500 receitas que contemplam ingressos gratuitos a museus e galerias de arte da cidade.


Para aplicar esse modelo no Brasil não seria muito difícil, creio eu, mas há dois problemas principais: o tamanho do país e a falta de incentivo cultural e artístico em cidades pequenas. Por exemplo: eu moro na região metropolitana da capital do meu estado e, para visitar museus ou galerias, preciso viajar cerca de 20 minutos de carro ou mais de 30 minutos de ônibus. Trabalhar para ampliar a quantidade de museus, casas de cultura e galerias seria o primeiro passo, no nosso país, para utilizar a arte como complemento terapêutico.



O que a ciência e as políticas dizem


  1. Evidência consolidada — A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou em 2019 uma revisão abrangente sobre o papel das artes na saúde, compilando milhares de estudos que apontam benefícios na promoção da saúde, prevenção de doenças e no manejo de quadros crônicos e transtornos mentais. Desde então, iniciativas e revisões (Lancet Public Health; Jameel Arts & Health Lab) reforçaram o potencial da arte para bem-estar psicológico, prevenção de isolamento social e melhoria da qualidade de vida.


  2. Modelos internacionais — Projetos como o de Neuchâtel (Suíça) não são isolados: há registros de iniciativas similares em Montreal (Canadá), programas de “cultura por prescrição” em algumas cidades dos Estados Unidos (CultureRx em Massachusetts) e políticas de “social prescribing” no Reino Unido que incluem atividades culturais, caminhadas e grupos comunitários. Esses programas apresentam ganhos em bem-estar psicológico, promoção da atividade física leve (caminhar entre salas de exposições) e redução do uso excessivo de alguns serviços de saúde quando integrados a cuidados primários.


  3. Limites e evidências em evolução — A literatura mostra impacto positivo, mas também ressalta a necessidade de avaliações robustas sobre custo-efetividade, qual perfil de paciente mais se beneficia e quais formatos (visita individual, grupos, oficinas) são mais eficientes. Ainda assim, as recomendações de órgãos como a OMS e relatórios acadêmicos apontam que vale a pena testar e avaliar sistematicamente essas práticas.



Como adaptar o modelo à realidade brasileira



1) Mapear oferta cultural local


  • Faça um inventário básico: museus, centros culturais, bibliotecas, teatros, parques e espaços de arte na cidade e região metropolitana.


  • Onde há vazio institucional, identifique alternativas comunitárias (centros comunitários, ateliês, galerias independentes) que possam ser parceiros.


2) Desenvolver um piloto municipal ou regional escala reduzida


  • Objetivo: testar impacto em 100–500 pacientes ao longo de 6–12 meses.


  • Parceiros: secretaria municipal de saúde, secretaria de cultura, 1–2 unidades de atenção primária (PSF/USF), museus locais e universidades (faculdades de saúde/psicologia/arts education).


  • Recursos: ingressos grátis ou tarifação social, transporte subsidiado quando necessário (em especial para pacientes com mobilidade reduzida), material informativo para pacientes e médicos.


3) Definir critérios clínicos simples


  • Indicar visitas a pacientes com ansiedade leve a moderada, sintomas de depressão leves, isolamento social ou pacientes pré-operatórios que necessitem de atividade física leve (caminhadas).


  • Garantir consentimento informado e registro de uso (quantas visitas, duração, atividade realizada).


4) Modelos de atividade


  • Visita contemplativa individual (entrada + caminhada guiada curta).


  • Visita em grupo com mediação cultural (conversa guiada por mediador, exercício artístico leve).


  • Oficinas terapêuticas (pintura, expressão criativa) integradas à visita. Evidência indica que atividades participativas podem gerar ganhos superiores às visitas passivas para certas populações.


5) Monitoramento e avaliação


  • Medidas simples: escalas de ansiedade/depressão pré e pós (PHQ-9, GAD-7), autorrelato de bem-estar, frequência de consultas médicas e adesão ao tratamento.


  • Avaliar custo por paciente e possíveis economias (redução de faltas, menos procura por atendimento de urgência).


6) Logística e financiamento


  • Financiamento inicial: fundo municipal (cultura+saúde), patrocínio privado responsável e apoio de universidades.


  • Sustentabilidade: se resultados positivos, pleitear integração com programas de saúde pública, convênios ou incentivos fiscais para patrocinadores culturais.



Principais obstáculos e como contorná-los


  • Acesso geográfico: em cidades pequenas sem museus, priorizar parcerias móveis (exposições itinerantes), uso de espaços comunitários e parcerias com escolas e bibliotecas.


  • Transporte: oferecer vale-transporte ou organizar grupos com transporte solidário.


  • Custo e escala: começar com piloto de baixo custo; usar voluntariado estudantil (licenciaturas, artes) para mediação.


  • Avaliação científica: estruturar coletas mínimas de dados desde o início para demonstrar impacto — isso facilita captação de recursos posteriores.



Conclusão


A experiência de Neuchâtel mostra que prescrever arte é viável e respaldada por uma base crescente de evidências sobre o papel das artes na saúde. No Brasil, a ideia é promissora, mas precisa ser adaptada com sensibilidade: há que mapear oferta cultural, criar pilotos locais, garantir transporte e mediação, além de avaliar rigorosamente resultados clínicos e econômicos. Com parcerias entre saúde, cultura, universidades e iniciativa privada, prescrever museus pode se tornar mais que uma novidade — pode virar ferramenta efetiva de promoção de saúde e inclusão cultural.


Se você é profissional de saúde, gestor público, mediador cultural ou diretor de museu você gostaria de testar um piloto na sua cidade? Comente abaixo e compartilhe com companheiros de trabalho, amigos, alunos ou professores que podem se empenhar neste projeto!



Agradecimento


Gostaria de fazer um breve agradecimento ao jornalista e amigo, João Ricardo Bortolanza Machado, que indicou o tema e apresentou a matéria do jornal GZH sobre o assunto, a você, meu caro, meu mais sincero muito obrigado!




Fontes e leituras recomendadas







  • Artigos e revisões sobre participação nas artes e saúde (ex.: umbrella reviews sobre performing arts).


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