
Onde está o limite da arte-educação? Desafios, referências e caminhos para a escola brasileira
- Thiago Loreto

- 29 de set.
- 6 min de leitura
Introdução
A arte na escola não é luxo nem tempo perdido: é formação estética, social e cognitiva. Este artigo parte de uma reflexão pessoal — preservo abaixo o seu texto como núcleo — e amplia com evidências, recomendações e fontes confiáveis para apoiar professores, gestores e formuladores de políticas. A intenção é manter a sua voz e potencializar o argumento com dados e indicações práticas.
Pense a arte como arte
Pensando a arte como uma grade obrigatória no currículo do ensino básico brasileiro, com o intuito de incentivar a criatividade, a coordenação motora, a expressão de sentimentos e a capacidade crítica, quais elementos pode um professor de artes trabalhar em sala para atingir estes objetivos? A dança, a música, a pintura, a escultura e diversos outros meios de arte se encaixam com perfeição para estes objetivos, mas o quão preparado está o professor para trabalhar estes aspectos com seus alunos? Eu mesmo não me considero um dançarino exímio — como poderia eu ensinar dança? Bem, esta é uma questão de aperfeiçoamento, como em todas as profissões no mundo: a profissão professor pode ser aprimorada, independente de qual seja a especialidade do professor. Por exemplo, um professor de artes tende a compreender os diversos tipos de arte, nem por isso ele consiga ensinar em um primeiro momento, mas pode se aprimorar e tornar-se um educador completo e variado, atendendo a todos os aspectos da arte. Mesmo porque hoje há diversos tipos de arte — como a arte digital, modelagem 3D, animações, cinema, a própria dança — a arte não se limita ao que eu considero arte; ela é intangível e varia. Manter-se atualizado sobre como essas artes se moldam ao longo dos anos e décadas faz parte do que um professor de artes deve fazer. Veja: não é simples ser um professor de algo que constantemente muda.
Eu citarei Ana Mae Barbosa aqui, pois o seu trabalho é voltado às artes na escola, e o seu livro Arte-Educação trata justamente desta questão de como e por que se deve valorizar as artes dentro da escola. Barbosa, em entrevista ao Jornal USP, disse: “Através da arte é possível desenvolver a percepção e a imaginação para apreender o que acontece com o meio ambiente, aprimorar a capacidade crítica, permitindo analisar a realidade percebida e incrementar a criatividade de maneira a mudar a realidade que foi analisada”. Entende como isso está diretamente ligado ao nosso assunto? A crítica, a observação, o desenvolvimento e a análise da arte constante como um dever da educação, do educador e das instituições de ensino. Investir na arte é também investir na comunicação, no desenvolvimento da sociedade e na cultura. Veja como a arte é pequena, mas se expande incessantemente até tornar-se algo intangível inimaginavelmente grande — como pode ser deixada tão de lado algo tão maravilhoso como isso? Como não se preocupar com seu desenvolvimento e com o que é ensinado? Aprender arte incessantemente é, ou deveria ser, o objetivo de todo e qualquer artista, principalmente os que dedicam suas vidas a ensinar sobre arte, para receber as novas gerações de artistas e orientá-las da melhor maneira possível, para que assumam suas carreiras e sigam pelos melhores caminhos.
Por que a arte deve ser parte central do currículo?
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) define Arte como componente curricular nas etapas da Educação Básica e organiza suas linguagens (Artes Visuais, Dança, Música e Teatro), com competências voltadas para criar, ler, produzir e refletir sobre formas artísticas — ou seja, a legislação já reconhece a arte como campo formativo, não apenas recreativo.
A UNESCO, em seu Framework for Culture and Arts Education, chama atenção para o papel da educação artística no desenvolvimento de competências do século XXI (criatividade, pensamento crítico, empatia) e recomenda políticas que integrem arte e cultura na educação formal e não formal. Isso reforça a necessidade de políticas públicas e formação docente contínua.
A educadora Ana Mae Barbosa é referência no Brasil para o ensino de arte na escola; suas reflexões e publicações mostram a relação direta entre educação em arte, percepção cultural e cidadania. A entrevista no Jornal USP reforça esse vínculo entre prática artística e desenvolvimento crítico.
O que um professor de artes pode trabalhar em sala para atingir os objetivos citados?
Segue um conjunto prático de elementos — todos compatíveis com a BNCC — que um professor pode articular independentemente do seu nível atual de habilidade em todas as linguagens:
Observação e percepção visual: exercícios de olhar (natureza, objetos do cotidiano, obras locais), análise de composição, luz e sombra.
Expressão corporal e dança básica: jogos rítmicos, improvisação, expressão de emoções através do movimento — não é preciso ser bailarino profissional para trabalhar noções básicas de dinâmica e ritmo com os alunos.
Voz, música e escuta: atividades de ritmo, canto coletivo, construção de pequenas composições com materiais simples.
Desenho e pintura: estudo de formas, perspectiva simplificada, experimentação de materiais (tintas, colagens, grafite em muro orientado).
Escultura e modelagem: argila, massa de modelar, materiais recicláveis para desenvolver coordenação motora e noção espacial.
Arte digital e multimedia: introdução à fotografia, edição básica, animação simples e noções de modelagem 3D quando houver infraestrutura.
Processo criativo e projeto: planejamento de uma ideia, prototipagem, apresentação pública (exposição, sarau, mural), reforçando autoria e vínculo com a comunidade.
Leitura crítica de imagens: discutir origem, contexto e autoria (muito relevante na era da IA).
Integração com outras áreas: projetos STEAM/STEAM-ART que unem ciência, história e arte em trabalhos significativos.
Essas práticas valorizam tanto habilidades técnicas quanto socioemocionais: criatividade, trabalho em equipe, responsabilidade estética e pensamento crítico.
Desafios reais — e como enfrentá-los
Formação docente insuficiente — muitas licenciaturas e formações continuadas ainda não dão conta das novas linguagens (arte digital, grafite, modelagem 3D). Proposta: formação continuada modular (cursos, residências, oficinas com artistas) em parceria com instituições culturais. Exemplos práticos de apoio e capacitação aparecem em iniciativas de organizações como Fundação Itaú / Itaú Cultural.
Recursos e infraestrutura — ateliês, materiais e acesso a equipamentos são deficitários em muitas escolas. Proposta: laboratórios compartilhados, parcerias com centros culturais e editais locais para dotação de material.
Preconceito e falta de reconhecimento — linguagens como o grafite enfrentaram estigma; hoje mostram trajetória de legitimação cultural e social (ex.: presença em exposições e circuitos urbanos). A inclusão dessas linguagens na escola exige coragem e política pública de reconhecimento.
Atualização constante — a arte muda; professores precisam de tempo e incentivos para se reciclar. Proposta: horas-atividade pagas, bolsas de formação e parcerias com universidades e institutos culturais.
Propostas práticas imediatas
Micro-projetos escolares: mural comunitário, exposição semestral, feira de projetos artísticos.
Parcerias locais: convênios com coletivos, Pontos de Cultura, museus e centros culturais — trazem artistas ao espaço escolar e abrem vias de circulação.
Formação em serviço: cursos rápidos sobre linguagem urbana, arte digital e mediação cultural (veja programas da Fundação Itaú / Escola Fundação Itaú).
Curricularização de práticas locais: incluir saberes artísticos regionais e populares no currículo de Arte.
Registro de trajetórias: orientar alunos sobre caminhos formativos (licenciatura, técnico, residências, editais).
Conclusão
O “limite” da arte-educação não é tecnológico nem técnico: é político e ético. A escola deve garantir que a arte seja ensinada como ofício, linguagem e direito — não como passatempo. A BNCC e recomendações internacionais (UNESCO) dão base normativa e conceitual; cabe a professores, gestores e sociedade transformar isso em práticas concretas: formação continuada, infraestrutura, parcerias e currículo vivo. Com essas ações, jovens que hoje não têm acesso às trilhas artísticas poderão descobrir vocações, ocupar espaços e contribuir culturalmente para o país.
Se o teu objetivo é levar essa visão pelo estado, comece por um projeto piloto — um mural comunitário, uma residência artística escolar ou uma oficina que conecte alunos a artistas locais — e use esse resultado para alcançar órgãos culturais e secretarias. A transformação se faz passo a passo.
Se este texto te inspirou, comente com uma experiência sua (oficina, mural, oficina digital) e compartilhe este artigo com colegas, diretores e gestores culturais. Se você é professor, gestor ou artista interessado em parceria, escreva — podemos transformar uma ideia piloto em projeto real. Vamos pressionar pelas políticas e ações que a arte-educação merece.
Fontes e leituras recomendadas (links diretos)
BNCC — Base Nacional Comum Curricular (seção Arte). Ministério da Educação.
UNESCO — A Framework for Culture and Arts Education (documento e orientações).
https://www.unesco.org/sites/default/files/medias/fichiers/2024/02/WCCAE_UNESCO%20Framework_EN_0.pdf
Ana Mae Barbosa — entrevista e referências sobre Arte-Educação. Jornal USP / materiais e livros.
https://jornal.usp.br/cultura/arte-e-educacao-para-todos-e-a-regra/
https://editoraperspectiva.com.br/produtos/arte-educacao-no-brasil/
Fundação Itaú / Escola Fundação Itaú — cursos e materiais para professores.
Itaú Cultural — programas, chamadas e projetos educativos.
Exemplo de trajetória do grafite e sua legitimação (contexto cultural): matéria/ensaio sobre a evolução do street art.



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