Ensino psicossocial no RS: por que ele é decisivo para formar crianças e adolescentes — e como um livro pode mudar a sala de aula
- Thiago Loreto

- 18 de ago.
- 5 min de leitura

Aprender “com” e não só “o quê”
No Rio Grande do Sul — como no Brasil — escolas que conseguem combinar conteúdo acadêmico com desenvolvimento psicossocial obtêm mais engajamento, menos conflitos e maior permanência dos estudantes. Quando o aluno entende a si mesmo, regula emoções, cria vínculos e toma boas decisões, a aprendizagem de Matemática, Língua Portuguesa e Ciências flui.
Este artigo mostra por que o enfoque psicossocial deve ser estruturante do Ensino Básico gaúcho e como o livro de Philippa Perry, “O livro que você gostaria que seus pais tivessem lido (e seus filhos ficarão gratos por você ter feito isso)”, pode oferecer ferramentas imediatas para o professor compreender melhor o aluno e cativá-lo de forma ética e consistente.
O que é ensino psicossocial e como dialoga com a BNCC
O ensino psicossocial integra competências socioemocionais (autoconhecimento, autorregulação, empatia, habilidades de relacionamento e tomada de decisão responsável) à rotina pedagógica.
Na BNCC, isso aparece nas Competências Gerais (como “Conhecimento”, “Empatia e cooperação” e “Responsabilidade e cidadania”). Em termos práticos, significa planejar aulas que valorizem:
Pertencimento: todo estudante se sente visto e significativo.
Segurança emocional: erros são tratados como parte do processo.
Cooperação: aprender com e para o outro.
Reflexão crítica: emoções e decisões são analisadas, não apenas vividas.
Por que é especialmente relevante no RS?
Diversidade sociocultural: escolas atendem contextos urbanos, rurais e ribeirinhos; o psicossocial ajuda a equalizar oportunidades.
Cicatrização pós-traumas coletivos (enchentes e perdas): a escola vira espaço de reconstituição de vínculos, onde acolhimento e rotina significativa sustentam o retorno à aprendizagem.
Evasão e desengajamento: vínculos fortes com um adulto de referência reduzem faltas e conflitos e aumentam a permanência.
O livro de Philippa Perry como “manual de relações” para a escola

Embora voltado a pais, o livro da psicoterapeuta Philippa Perry é um guia poderoso para educadores porque desloca o foco do controle para a conexão. Alguns princípios centrais e suas traduções para a sala de aula:
Conexão antes da correção
Do livro: comportamentos difíceis são mensagens, não inimigos.
Na escola: antes de punir, nomeie a emoção (“Vejo que tu estás frustrado porque…”), valide o sentimento e, só então, negocie o comportamento esperado.
Escuta que não invalida
Do livro: evitar minimizar (“não foi nada”) e preferir dar palavras à experiência da criança.
Na escola: pratique escuta refletida: “Então, quando o trabalho em dupla começou, tu te sentiste excluído, confere?”
Reparação é melhor que perfeição
Do livro: rupturas acontecem; o que cura é reparar.
Na escola: após um conflito, conduza conversas restaurativas curtas: o que aconteceu, quem foi afetado, como reparar e prevenir.
Co-regulação antes da autorregulação
Do livro: o adulto empresta calma e linguagem emocional à criança.
Na escola: crie rotinas de aterramento (respiração, pausa de 2 minutos, check-in emocional) no início e no fim das aulas.
Histórias familiares importam
Do livro: compreender contextos amplia a empatia e reduz rótulos.
Na escola: estabeleça portfólios narrativos (um caderno do estudante) com metas, preferências, gatilhos e estratégias que funcionam.
Plano de implementação em 6 semanas (passo a passo)
Semana 1 — Clima e acordos
Construam acordos de convivência com linguagem positiva (“Cuidamos da palavra do colega”).
Ferramenta do livro: escuta que não invalida para acolher sugestões.
Semana 2 — Vocabulário emocional
Introduza 6 emoções-base (alegria, tristeza, medo, raiva, nojo, surpresa) com cartões.
Rotina: “Como cheguei hoje?” (alunos apontam um cartão na entrada).
Do livro: nomear sentimentos diminui reatividade.
Semana 3 — Co-regulação e pausa
Ensine uma técnica de respiração (4-2-6) e uma pausa de foco (olhos em objeto, 30 s).
Crie o cantinho da calma (um lugar, não castigo).
Semana 4 — Relações e conflito produtivo
Use diálogos restaurativos após choques: 4 perguntas breves.
Regras: sem interrupções, foco no impacto e na reparação.
Semana 5 — Empatia e perspectiva
Proponha leitura compartilhada de trechos de Perry + contos/ crônicas gaúchas.
Atividade: “Troca de cadeiras” — cada um reconta o episódio do ponto de vista do outro.
Semana 6 — Autonomia e tomada de decisão
Conselho de classe com voz discente: alunos propõem melhorias de rotina.
Rubrica de autorregulação (1–4) para autoavaliação e metas de próxima semana.
Mini-sequências didáticas (adaptáveis ao 1º ao 9º ano)
1) “Diário da Aprendizagem & Emoções”
Objetivo: ligar emoção à tarefa acadêmica.
Como fazer: 5 minutos no começo e 5 no final da aula: “Cheguei me sentindo…”, “Saio me sentindo…”, “Hoje aprendi…”, “Quando travei, fiz…”.
Avaliação: crescimento na linguagem emocional e na persistência.
2) “Clube de Leitura de Vínculos”
Textos: trechos curtos de Perry + literatura infantil/juvenil (ex.: Scliar, Erico Verissimo, Lygia Bojunga).
Estratégia: pergunte “O que este personagem precisava ouvir?” (relação com o princípio de conexão antes da correção).
3) “Matemática com cooperação”
Dinâmica: problemas em funções sociais (facilitador, registrador, verificador, porta-voz).
Psicossocial: todos precisam dos papéis para a solução; promove responsabilidade compartilhada.
4) “Círculos de 10 minutos”
Formato: roda rápida no início da semana: notícia boa, desafio, uma meta.
Impacto: reforça pertencimento; previne conflitos.
Avaliação formativa e indicadores simples
Check-ins semanais (0–3): me senti ouvido? consegui focar? pedi ajuda?
Rubrica de competências (1–4):
Autoconhecimento (reconhece emoções?)
Autorregulação (usa estratégias?)
Empatia (ouve e valida?)
Relações (coopera sem humilhar?)
Decisão responsável (considera consequências?)
Evidências qualitativas: bilhetes dos alunos, registros de reparação, redução de interrupções e de encaminhamentos disciplinares.
Parceria escola–família (o que pedir e o que oferecer)
Oficinas de 40 min com responsáveis: “Como validar sem ceder?”, “Rotina que acalma”.
Caderno de ida e volta com linguagem da reparação (não só recados).
Guia de 2 páginas com estratégias do livro (escuta, nomeação, reparo) para usar em casa.
Canal de comunicação claro (mensagens curtas, sem julgamento; foco em fatos e combinações).
Obstáculos comuns (e respostas práticas)
“Não tenho tempo para isso.”
Integre as rotinas psicossociais em 5 minutos da aula (check-in, respiração, meta). Elas economizam tempo reduzindo microconflitos.
“Vão me desrespeitar se eu for acolhedor.”
Acolhimento não é permissividade. Conexão + limites claros = autoridade respeitada.
“Alguns casos são complexos demais.”
Para sinais de risco (autoagressão, violência, abuso), acione rede de proteção (gestão, orientação, saúde, conselho tutelar). O psicossocial não substitui protocolos legais.
Materiais prontos para usar (copie e cole)
1) Roteiro de conversa restaurativa (3–7 min)
O que aconteceu, na tua visão?
Quem foi afetado e como?
O que cada um precisa agora?
O que vocês topam fazer para reparar e prevenir?
2) Mini-guia de linguagem que ajuda
“Vejo que tu estás ___ porque ___.”
“Tem algo que eu possa fazer para te ajudar agora?”
“Vamos pensar juntos numa próxima vez diferente?”
“Errar é informação; o que ela está nos dizendo?”
3) Quadro de autorregulação para a parede
Pausar → Respirar 4-2-6 → Nomear (o que sinto) → Escolher (o que faço).
Como o professor pode usar o livro de Perry ao longo do ano
Primeiro bimestre: ler os capítulos sobre escuta e validação; praticar check-ins.
Segundo bimestre: capítulos sobre conflitos e reparação; iniciar círculos restaurativos curtos.
Terceiro bimestre: limites com gentileza; revisar acordos de convivência com a turma.
Quarto bimestre: autonomia; alunos co-planejam uma rotina de estudos para o próximo ano.
Dica: mantenha um caderno de insights: anote frases-chave do livro, situações reais e o que funcionou.
👉 Quer aprofundar mais? Leia o livro de Philippa Perry
Se você deseja compreender ainda melhor como a conexão e a escuta ativa transformam a relação com crianças e adolescentes, vale a pena conhecer o best-seller de Philippa Perry:
📖 O livro que você gostaria que seus pais tivessem lido (e seus filhos ficarão gratos por você ter feito isso)
Uma leitura essencial para pais, professores e educadores que buscam construir relações mais saudáveis, fortalecer vínculos e ajudar jovens a desenvolver autonomia e segurança emocional.
Conclusão: vínculo que ensina
No Ensino Básico do RS, investir no psicossocial não é extra, é estratégia central para alfabetizar melhor, reduzir evasão e formar cidadãos. O livro de Philippa Perry oferece uma lente simples e poderosa: conexão antes da correção, reparação em vez de perfeição e linguagem que valida. Quando o professor adota esses princípios, a sala se transforma em um lugar onde os alunos querem aprender — e podem.



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